Juca Ferreira faz um balanço da Cultura no governo Lula, em meio a mobilizações por sua permanência no MinC
O GLOBO, 05 de dezembro de 2010. Por: André Miranda
RIO - Os pedidos vêm de todos os lados. Nas últimas semanas, boa parte da classe artística brasileira se manifestou publicamente pela permanência de Juca Ferreira à frente do Ministério da Cultura (MinC). Juca está no governo Lula desde o início de seu primeiro mandato, primeiro como secretário-executivo de Gilberto Gil e, desde agosto de 2008, como ministro.
Agora, com a mudança de governo, seu destino ainda é incerto - até porque ele, mesmo com a filiação ao Partido Verde (PV) suspensa, não integra os grupos da base aliada. Enquanto isso, nomes como os da senadora Ideli Salvati (PT-SC), do deputado Angelo Vanhoni (PT-PR), do prefeito de Ouro Preto, Angelo Oswaldo (PMDB), e da deputada eleita Jandira Feghali (PCdoB-RJ) são apontados como possíveis substitutos. Em entrevista ao GLOBO, anteontem, no Rio, o ministro fez um balanço de seus oito anos no governo e falou da campanha pela continuidade.
O GLOBO: A pergunta que toda a classe artística se faz neste momento é se o senhor vai continuar no governo. Saberia adiantar alguma coisa?
JUCA FERREIRA: Eu sou quem menos sabe. A presidente Dilma, desde que foi eleita, buscou se recolher para fazer as melhores opções. Ela escolheu primeiro a equipe da área econômica e os ministros que trabalham em torno do Palácio. Agora, ela está escolhendo áreas mais sensíveis. Acho que a Cultura deve vir na terceira leva de definições.
O senhor conversou com Dilma depois da eleição?
Não. Apenas a cumprimentei, participei da comemoração. Mais do que isso, não.
E qual é sua situação hoje em relação ao Partido Verde (PV)?
Eu fui o primeiro brasileiro a usar o recurso constitucional de suspender a filiação. Quando você diverge do partido em que milita mas não quer sair, a Constituição lhe dá o direito de ficar suspenso. O meu prazo é julho de 2011. Agora eu preciso avaliar se quero voltar e se eles me querem de volta. Tenho 23 anos de militância no partido e aceitei várias divergências, mas me afastei porque, primeiro, o partido não compreendeu a importância do governo Lula. Segundo, o partido abandonou seu programa e ficou sem carta de navegação, inclusive possibilitando que pessoas que representam o partido em processos eleitorais defendam posições contrárias às do programa. E a gota d'água foi lançarem a candidatura de alguém que não reconhece os direitos das mulheres e dos homossexuais, nem o caráter laico do Estado.
Existe uma grande mobilização para a sua permanência. A que o senhor atribui isso?
É importante dizer que não estou em campanha. No início, quando começaram as manifestações a meu favor, fiquei um pouco assustado. Para os que me perguntavam, eu dizia: "Calma, a presidente não pode se sentir pressionada." Um político experiente me disse que ninguém gosta de ser obrigado a nomear uma pessoa que não quer, mas qualquer governante gosta de saber que uma pessoa teria apoio da área em que pode trabalhar. Então eu relaxei. Minha sensibilidade é que a campanha é um reconhecimento ao trabalho de oito anos, primeiro com o ministro Gilberto Gil, depois comigo. Nós mudamos a face da Cultura, saímos do patamar de 0,2% do orçamento total da República para mais de 1%, como a Unesco recomenda. Temos hoje R$ 2,3 bilhões, o que representa 1,3%. Pegamos uma situação frágil, e em todas as áreas melhoramos o que encontramos - algumas, mais; outras, menos.
Em qual área, por exemplo, o senhor considera que ainda é preciso avançar mais?
A área das artes. Nós ainda temos que avançar muito, muito mesmo. Por suas dimensões continentais, o Brasil tem uma complexidade muito grande nas artes. Precisamos contribuir para a produção cultural, ampliar o acesso à cultura, que é muito ruim no país. Vivemos um verdadeiro apartheid cultural. Eu tenho a pretensão de que, em dez anos, a economia da cultura seja tão relevante quanto o agronegócio e a indústria tradicional. Isso pode parecer uma balela, mas os EUA começaram assim: definindo metas para a economia da cultura depois da Crise de 29, com o Estado, os artistas e os empresários se reunindo em torno de programas. O Brasil tem riquezas e matéria-prima para chegar a isso.
Nesta semana, o Congresso decide a renovação ou não do artigo 1 da Lei do Audiovisual. Se ele não for renovado, o cinema brasileiro pode perder R$ 30 milhões em investimentos por ano. Qual é a posição do ministério sobre o tema?
Eu não tenho opinião isolada sobre um artigo da Lei do Audiovisual. Em princípio, o artigo deve ser renovado, mas eu tenho uma visão crítica sobre o conjunto da lei. Ela refletiu uma etapa de desenvolvimento, mas não dá conta de sustentar o sistema de financiamento da cadeia. O próprio diretor de "Tropa de elite", por exemplo, disse que achava que algumas modificações teriam que ser feitas no sistema de financiamento, premiando os que conseguem estabelecer uma relação do cinema brasileiro com o público.
Durante os oito anos do governo Lula, alguns programas grandes foram criados, levados para o Congresso, mas até hoje não saíram do papel...
Não, pelo contrário. A média de aprovação dos projetos do MinC foi muito mais rápida do que o resto. O Congresso demora, democracia dá trabalho. Tem pauta trancada, medida provisória, prioridades. Mas estamos aprovando tudo.
Mas programas mais polêmicos como a reforma da Lei Rouanet, o Vale-Cultura e a nova Lei do Direito Autoral ainda não foram aprovados.
Eles estão andando. A Lei do Direito Autoral ainda não enviamos, porque achamos que é preciso amadurecer o debate. Nós adotamos o princípio de que política pública não se constrói dentro de gabinete ou de repartição. Então todos os processos de modernização na área da cultura têm sido precedidos de profundos debates. A Lei do Direito Autoral está sendo discutida há quase cinco anos, e mesmo assim estou achando que ainda é insuficiente. A Lei Rouanet nós discutimos por quase seis anos até apresentarmos o projeto. São procedimentos que demoram mais, mas que permitem que os processos de modernização saiam com mais consistência e coesão.
Mas algum projeto ainda será aprovado nesta gestão?
O Vale-Cultura está acordado para ser aprovado por todas as forças políticas até o fim do ano. Serão R$ 7 bilhões injetados na economia da cultura, no bolso do trabalhador, para ele escolher como quer consumir. E como é um cartão magnético, no valor de R$ 50, o dinheiro não poderá ser utilizado em outra economia. Isso vai modificar muito a geografia da indústria cultural brasileira.
Olhando para trás, qual o senhor considera ter sido o pior momento dos oito anos de governo na área da cultura?
Olha, o pior momento foi o da Ancinav (Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual, uma proposta feita no primeiro mandato do governo Lula, e que foi rejeitada pela classe cinematográfica). Hoje eu posso dizer
com tranquilidade que fui o único contra. Não pelas acusações de dirigismo, isso era bobagem, não havia essa intenção. O projeto propunha a necessidade de regular a economia do audiovisual, não tinha nada de conteúdo. A minha crítica era bem diferente da feita de fora. Eu achava que para um projeto de lei de regulação dar certo era preciso fazer uma vasta discussão na sociedade, inclusive com as empresas radiodifusoras. Essa experiência reforçou a ideia, e norteou o ministério nos anos seguintes, de que nada em que acreditamos é certo até que seja aprovado pela sociedade.
Hoje, o Brasil tem quase cinco mil Pontos de Cultura, e isso é apresentado pelo governo como um dos seus maiores ganhos. Mas como é feita a fiscalização? Já houve casos de problemas na gestão de cada Ponto de Cultura?
Muitos. O Estado não está preparado para lidar com o andar de baixo da sociedade. É um Estado autoritário, privatizado em muitos aspectos, com baixa sensibilidade social. Um dos grandes méritos do presidente Lula foi ter modificado essa realidade. Além disso, do lado de lá predomina a precariedade. Há dezenas de milhares de grupos culturais existentes nas favelas, nas periferias, nas tribos indígenas, nos
assentamentos rurais. É uma relação difícil. A prestação de contas é complicadíssima, às vezes eles não guardam as notas. O MinC pensa em saídas para avançar nessa relação e poder garantir que as coisas sejam feitas dentro da legalidade.
Durante anos o MinC foi um dos menos valorizados nos governos. Mesmo na campanha eleitoral de 2010, pouco se falou sobre cultura. O que o senhor acha que ainda falta para a cultura ter mais força no país?
Já há sintomas de que isso está mudando. O MinC é o ministério mais disputado dessa transição. São 22 candidatos visíveis ou explícitos. Isso é uma novidade. Nós ganhamos prestígio no governo. Incorporamos a
cultura nas políticas tanto no PAC quanto no pré-sal. É claro que não se muda a mentalidade de desprezo pela dimensão cultural da noite para o dia. Mas a retomada da crença no país, da autoestima no Brasil, terá um reflexo muito positivo para a cultura.
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